Herança de Fé, Escolha de Esperança
entre o sonho que nos prometeram e o silêncio onde aprendemos a ficar
Meus pais cresceram acreditando no milagre do esforço,
na terra prometida do “um dia você chega lá”.
Era a versão brasileira do “sonho americano”,
só que com carne de segunda, entrada financiada
e fé de sobra.
A crença era simples e profunda:
se trabalhar direito, Deus ajuda.
Se ralar bastante, a recompensa vem.
E mesmo quando não vinha,
eles continuavam.
Meu pai seguia,
minha mãe sorria,
e eu aprendia a calar,
porque parecia feio duvidar de quem tanto tentou.
Mas cresci.
E, crescendo, comecei a ver as rachaduras no sonho.
Vi que nem sempre o mérito vence.
Que o esforço pode ser imenso — e ainda assim insuficiente.
Que a fila anda pra quem já nasceu mais perto da porta.
Foi duro aceitar isso.
Porque não é só sobre dinheiro,
é sobre sentido.
O que fazemos quando o que nos ensinaram a desejar se revela inalcançável?
Por um tempo, flertei com o cinismo,
com a ironia, com o desdém.
Mas não me serviram.
Não cabiam no meu corpo,
que ainda queria acreditar em alguma coisa.
Foi aí que descobri a esperança.
Não a certeza mágica do “vai dar tudo certo”,
mas a escolha silenciosa de olhar pro agora
e dizer: ainda assim, vale a pena cuidar.
Cuidar do pão que assa,
do corpo que acorda,
do amigo que escuta,
do tempo que escorre devagar.
Meus pais seguem acreditando que a vitória um dia vem.
Eu aprendi a achar beleza mesmo sem ela.
E talvez, no fim das contas, estejamos todos buscando a mesma coisa:
uma forma de continuar amando o mundo mesmo quando ele não nos devolve nada.
Porque entre a ilusão de um futuro perfeito
e a brutalidade do agora,
escolho a ternura como caminho.
—
Para Raquel, que me ensinou que a esperança também se escolhe
e que existem futuros que só vemos
quando alguém nos olha com amor suficiente pra construí-los junto.